Os benefícios que o consumo moderado de vinho pode proporcionar ao coração, já é consenso citado em diversos estudos. Sua história é quase tão antiga quanto à civilização humana. Mostram os achados arqueológicos mais recentes que o vinho parece ter surgido durante o final do período neolítico, nos Bálcãs, mais especificamente entre o norte do Irã e o sul da Geórgia, nas montanhas de Zagros.
Dessa região costumava ser transportado por via fluvial para a Mesopotâmia, sendo apreciado por sumérios e babilônios. Sua fabricação foi sendo aprendida por diferentes povos, chegando a Judéia e a Creta, trazido por comerciantes fenícios.
Dois fatores parecem ter sido muito importantes no surgimento e no desenvolvimento das técnicas de produção de vinho, e que explicam o seu sucesso até os dias de hoje: a saúde e o prazer. Foram esses dois parâmetros que nortearam os povos antigos na sofisticação do preparo do vinho, e que permitiu que pudéssemos desfrutar de uma bebida com propriedades tão maravilhosas.
Vinho e nutrição
Do ponto de vista nutritivo, o álcool do vinho preserva as substâncias fenólicas, vitaminas e aminoácidos encontrados na uva, que junto com a oferta de nutrientes da comida dava o suficiente para manter musculatura e esqueleto prontos para as jornadas de trabalho. E tudo isso recheado num concentrado de substâncias fenólicas que mantinha a saúde e o vigor. Parecia um presente dos deuses. Por isso mesmo, muito pouco foi necessário para que o vinho fosse incorporado nas religiões como bebida sagrada.
O vinho é citado na Bíblia e foi bebido por Jesus Cristo na última ceia, quando, ao ofertá-lo aos apóstolos, o Senhor disse que ele simbolizava seu sangue. Na mitologia grega, foi um presente de Dionisius, o Deus das festas e da alegria, para que o homem tivesse uma bebida adequada para comemorar. Sem dúvida, os efeitos inebriante e euforizante do álcool associados ao prazer, foi um dos grandes fatores de popularização da bebida tanto nos tempos antigos como no mundo moderno.
Platão enaltecia as qualidades do vinho, tendo chamado-o de bebida dos deuses, mas também comentou que ele não deve ser ofertado às crianças. Hipócrates, pai da medicina, e Galeno, médico grego considerado pai da farmácia moderna, costumavam colocar suas plantas medicinais dentro do vinho, pois diziam que isso aumentava o seu poder curativo. Daí veio a tradição do “vinho medicinal” e as formas farmacêuticas conhecidas por “tinturas”, que foram muito utilizadas no começo do século passado e até hoje são a base da homeopatia.
Os benefícios que o vinho proporciona à saúde começaram e ser descobertos na década de 70, quando estudos epidemiológicos evidenciaram que, apesar de terem hábitos de vida pouco saudáveis, como fumar, beber e comer muita gordura de origem animal, os franceses (em especial os do sul da França) tinham uma baixa incidência de infarto do miocárdio e acidente vascular cerebral em relação à média mundial.
A essa contradição aparente, os pesquisadores chamaram de “Paradoxo Francês”. Novos estudos revelaram que esse mesmo perfil podia ser encontrado em outras populações do Mediterrâneo, como italianos e gregos, e que o principal fator que determinava a longevidade era associado a alimentação, em especial o vinho e o azeite de oliva. Esses alimentos, mais peixe, tomate e berinjela ficaram conhecidos como a “dieta do Mediterrâneo” que traz saúde e longevidade.
Por que o vinho previne doenças do coração?
Químicos e farmacologistas se debruçaram sobre o vinho para descobrir o que havia ali dentro que determinava a proteção dos vasos e do coração. Uma primeira conclusão foi fácil de ser alcançada. Os estudos epidemiológicos mostravam que, quando indivíduos que bebiam rotineiramente vinho branco eram separados daqueles que bebiam vinho tinto, o segundo grupo apresentava resultados ainda mais eficientes em termos de proteção cardiovascular. Então, deduziu-se que as substâncias que dão cor ao vinho, chamadas de procianidinas, deviam ser as grandes responsáveis.
Efetivamente as procianidinas estão em mais quantidade no vinho tinto e em padrões de ligação entre duas e três unidades – chamadas de dímeros e trímeros – justamente as mais ativas, em comparação com as formas monoméricas (de apenas uma molécula isolada) do vinho branco. Procianidinas do vinho tinto, além de poderosos antioxidantes, protegem a parede dos vasos, evitando a formação de um tipo de célula conhecida por “esponjosa”, que é o primeiro passo na formação da aterosclerose.
Mas os resultados dos estudos sugeriam que deveriam haver outras substâncias benéficas na uva, além das procianidinas. E os pesquisadores começaram a procurá-las. No início da década de 90 se isolou uma substância chamada resveratrol, já conhecida dos químicos há uns cinco anos, mas cujas ações na saúde humana, na época, ainda eram pouco estudadas. Ao longo dessa década, foi sendo descoberto que o resveratrol não só aumenta o potencial de prevenir a aterosclerose das procianidinas, como também atua direto nas células cardíacas, protegendo-as durante a falta de oxigênio, como também em situações onde ocorrem arritmias. Ou seja, alterações patológicas do ritmo do coração.O resveratrol ainda relaxa os músculos lisos das artérias contribuindo para prevenir ou tratar hipertensão.
Esses efeitos benéficos são tão significativos que a industria farmacêutica está usando a molécula do resveratrol como modelo na busca de novas drogas cardiológicas, que obviamente eles pretendem patentear e vender por um preço muito salgado. Enquanto isso os pesquisadores mostraram que a concentração de resveratrol no vinho é bem maior que na uva, porque, durante a fermentação para o vinho, há um processo metabólico que favorece sua concentração e formação. Com isso ficou explicada a incrível potência do vinho em prevenir as doenças do coração
Os benefícios não terminam aí. As substâncias que protegem o coração, assim como outras que encontramos no vinho – flavonóides e taninos derivados do ácido elágico – todas têm uma atividade protetora do DNA e atuam evitando o surgimento de células cancerosas. Esse é um dos motivos que cientistas usam para explicar as também baixas taxas de casos de câncer nas populações mediterrâneas.
Contudo, nem tudo em relação ao vinho são flores. Para colher seus benefícios, é necessário beber apenas um a dois cálices por refeição. Quando se abusa do vinho, o efeito nocivo do álcool neutraliza o dos polifenóis. Também devemos evitar vinhos de má qualidade. Eles são ácidos, o que favorece a oxidação das substâncias benéficas. Além disso, pode conter nitratos – colocados como conservantes, que são tóxicos e causam dores de cabeça. Os nitratos também neutralizam os efeitos benéficos das procianidinas.
Alex Botsaris é médico formado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, autor de livros como: “O Complexo de Atlas”, “Sem Anestesia” e “As Fórmulas Mágicas”. Acaba de lançar “Medicina Ecológica”. Mais informações: www.alexbotsaris.com.br e www.twitter.com/alexbotsaris